Sargaço: de vilão das praias a aliado da construção civil sustentável
Sargaço acumulado em Salinópolis (PA) João Adriano Rossignolo O que era um pesadelo ambiental nas praias do Caribe e do norte do Brasil está virando soluç...

Sargaço acumulado em Salinópolis (PA) João Adriano Rossignolo O que era um pesadelo ambiental nas praias do Caribe e do norte do Brasil está virando solução na construção civil. Esse “pesadelo” é a chegada de sargaço em grande quantidade nas praias durante as arribadas, que já foram registradas na costa amazônica este ano. "Arribadas" são eventos naturais de chegada massiva de algas marinhas (especialmente do gênero Sargassum) às praias. No contexto do sargaço no Brasil e Caribe, o termo descreve fenômenos recorrentes nos quais milhares de toneladas dessas algas se acumulam na faixa de areia, formando extensos tapetes que podem se estender por quilômetros. A novidade é que pesquisadores da USP e UFSCar desenvolveram técnicas para incorporar a alga Sargassum em materiais como agregados leves, painéis e telhas, combinando sustentabilidade e inovação. Os resultados, publicados em revistas científicas internacionais, revelaram ganhos ambientais expressivos: até 47% de redução nas emissões de CO₂ e economia de recursos naturais, além de evitar os prejuízos do acúmulo de sargaço nas praias. Toneladas de sargaço registradas em Salinópolis João Adriano Rossignolo Mas por que elas são prejudiciais? Segundo os especialistas, em pequena quantidade, esses microalgas pardas não geram problemas significativos. No entanto, sua chegada massiva está relacionada à liberação de gases tóxicos e malcheirosos em sua degradação (como sulfeto de hidrogênio, amônia e metano), afetando a qualidade do ar e da água. Como efeito, é possível ocorrer o aumento da acidificação e redução do oxigênio dissolvido no ambiente marinho, afetando peixes, corais e algas nativas. Além disso, metais tóxicos, como o arsênio, já foram registrados em grandes concentrações nesses organismos. O temor dos pesquisadores é que as arribadas virem um “novo normal”. No Caribe, a ocorrência do sargaço está gerando prejuízos bilionários para o turismo, por causa dos gastos com a limpeza das praias. Da praia ao forno O sargaço usado nos estudos é coletado em praias como Salinópolis (PA), onde apenas em 2025 foram retiradas 40 mil toneladas de biomassa. Após lavagem para remover sais e areia, a alga passa por secagem controlada e queima em fornos convencionais ou de micro-ondas – este último, a chave para resultados surpreendentes. Agregado leve feito para construção civil João Adriano Rossignolo "O forno de micro-ondas sela os poros criados pela decomposição da matéria orgânica, mantendo a leveza mas aumentando a resistência", explica Cristiane Bueno, da UFSCar, coautora dos estudos. Nas telhas de fibrocimento, por exemplo, as cinzas de sargaço substituíram 100% do calcário tradicional, com ganho adicional de resistência à corrosão. Em testes, a incorporação de 20% a 40% do material na massa de argila para fabricar agregados leves reduziu em até 30% a densidade, resultando em peças mais leves e ideais para estruturas. Já na produção de painéis de partículas, a mistura de 30% de fibras de sargaço na camada interna com bagaço de cana nas externas atendeu ao padrão internacional para móveis em ambientes secos e, quando fabricados próximos a áreas de coleta, apresentou menor impacto ambiental que os painéis de eucalipto. Agregado leve feito a partir do sargaço João Adriano Rossignolo Desafios e oportunidades A logística ainda é um obstáculo. "O sargaço chega sazonalmente, e precisamos de cadeias de coleta ágeis para evitar decomposição", destaca João Adriano Rossignolo, da USP. Outro desafio é escalar o uso de fornos de micro-ondas – tecnologia eficiente, mas ainda pouco difundida na indústria cerâmica. Dentre as soluções em teste, estão pré-tratamentos químicos para melhorar a adesão das fibras, parcerias com comunidades costeiras para coleta local e criação de novos produtos: argamassas especiais, blocos de terra compactada e cerâmicas estruturais. Alga libera substâncias tóxicas ao se decompor João Adriano Rossignolo Além dos painéis e agregados, o sargaço já avança para outras frentes: telhas de fibrocimento (mais resistentes à umidade), tintas anticorrosivas (extratos da alga protegem metais em ambientes marinhos), compósitos cimentícios (partículas de sargaço aumentam a isolamento térmico). "Estamos transformando um passivo ambiental em aliado da economia circular", celebra Rossignolo. Até 2026, a meta é ter dois produtos comerciais no mercado. "O sargaço deixa de ser um custo para os municípios litorâneos e vira matéria-prima de alto valor agregado. É a natureza devolvendo em inovação o que o homem desequilibrou", diz Juliano Fiorelli, pesquisador da USP. VÍDEOS: Destaques Terra da Gente " Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente